O Convite

Cheguei em casa, abri a caixa de correspondência e retirei de lá o pior que se pode receber. Não, não era a conta do cartão de crédito, pior que isso: o convite para a festa de aniversário de um ano da filha da minha melhor amiga. Abrí o envelope e já me deparei com aquele ser que sorria para mim, um palhacinho colorido segurando balões e terrivelmente assutador. Vou me abrir aqui e contar uma intimidade, tenho coulrofobia moderada. Fui entrando em casa e pensando no que comprar para a pequenina. Livro não, ela não sabe ler, boneca não, ela não faz nada além de babar, vai estragar. Fui até a loja de brinquedos da rua fazer uma pesquisa. Foi aí que entendi a causa das crianças preferirem o computador a brinquedos, as geringonças já fazem tudo sozinhas, o que eles vão fazer? Ficar olhando o urso pular, dançar e dar cambalhotas? Um saco! Achei jogado num canto da prateleira um chocalho de borracha em forma de pé. Um barato, a pequena vai adorar babar naquilo, comprei, a moça embalou num papel bonito e pôs um laço do tamanho da minha cabeça. Chegou o sábado e por volta do meio dia já estava arrumada, com o presente na mão à caminho do salão de festas do prédio da minha melhor amiga. Entrei, cumprimentei todos que conhecia e fui dar o presente da princesinha e um aperto na minha querida amiga. A mãe abriu a embalagem e rimos muito do pé, "só tu mesmo Aline". Nisso vem o marido todo empolgado com uma filmadora na mão: "Olha o que o Henrique comprou amor, ela tem zoom de oito vezes, filma no escuro e...". Foi interrompido por sua esposa berrante: " Felipeeee, desce já daí, você vai cair moleque!". Nem deu atenção ao marido, jogou o chocalho-pé com embalagem e tudo no carrinho onde estava a aniversariante e foi salvar o sobrinho que estava surfando em cima da mesa de plástico. Ví sair sem graça, um marido com a filmadora na mão. Empurrei o carrinho até uma cadeira, sentei e comecei a apresentar o presente para a presenteada. Mostrei, balancei e coloquei o em sua mão. Em dois segundos o chocalho foi parar no chão e o laço virou o objeto a ser mordido e babado. É guriazinha, pelo menos já sabe que na vida deve ter sempre o pé no chão. Me dando conta da besteira que disse ao bebezinho, olhei ao redor e ví ao que estava fadada ao querer me casar. Os pais uniformizados de camisetas polo, bermuda bege ou jeans e sapatos mocassim, em uma roda fazendo de tudo com a filmadora, menos filmando. Ensinei à menina mais um jargão: "Homens não crescem, só aumenta o preço dos brinquedos e acumula responsabilidade". As mães só cuidam para que sua prole não sofra danos e a melhor forma de fazer isso é berrando e esquecem seus maridos. Para minha alegria chegou a hora do parabéns, acho que só para a minha e dos outros adultos pois alguém alí não ficou contente. Foi só começar a música universal das comemorações de ano, que a menina abriu a boca num berreiro só. Me sentí culpada, será que foi alguma coisa que eu disse? Bom, agora posso ir embora. Dita as regras da etiqueta que só pode sair depois dos parabéns. Cheguei em casa, dei um beijo cinematográfico no meu companheiro e me sentei ao seu lado para ver o jogo do Inter. Não vi nada, pensei que não queria ser destinada àquilo. Quero casar e ter filho, mas preciso bolar um plano para ser diferente. Enquanto não chego à resposta, fiz o ritual preparatório. Abri a bolsa, tirei o anticoncepcional do dia e tomei numa golada de cerveja.

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