Coisas de Joaquim Lourenço

Pensem num senhor magro, alto, barrigudo, poucas rugas, cara de mouro, cabelos ralos e penteados com aqueles pentes redondos de plástico, com uma pequena alça em cima para introduzir o dedo do meio que faz com que se encaixe hermeticamente na palma da mão. Faz a barba com pincel, espuma, navalha e é fiel a Barbearia do Onofre, mas só para aparar os cabelos grisalhos. Casado com uma professora aposentada, boca suja, geniosa e muito querida. Apesar de ser pai de filho único, é avô de quatro fans, todos com seu sobrenome. Com uma personalidade calma e serena, é dono das manias mais curiosas que já vi e piadas tão sem graça que por ser espontâneas, te faz mijar de rir. Uma vez, em um jantar de família, mesa farta e gorda, sua esposa tagarelava com uma amiga sobre sua ida ao médico. Por causa da idade, ela não lembrava a especialidade do doutor. Como era uma informação importante para o papo, fez questão de perguntar ao marido que comia pão recheado com mortadela, manteiga, bolo de chocolate e banana: "Qual é mesmo o doutor, Joaquim?" Em milésimo de segundos respondeu calmamente: "Veterinário" e deu uma golada na xícara de café com uma pedra de gelo e sem açucar. Aliás, tomar café para Joaquim, é um ritual. Sempre segura na ponta da asa da xícara, dedo mindinho levantado e leva o café até a boca em forma de um enorme bico. Diz ele que é para não queimar os lábios. O mindinho também é especial para o velho. É o único que não se corta a unha, uma ótima ferramenta para coçar o ouvido e passar com força nas costas dos netos desprevinidos. Seu passa tempo preferido é assistir a programação da máquina de lavar e arrumar qualquer coisa escangalhada com massa epóxi para assim pintá-las e parecerem novas. É... o importante era a intenção, se é que me entendem. Nessa brincadeira de cola e pinta o velho bordou com a coleção de santos antigos de sua esposa. Juro que vi a imagem de Maria tão deprimida e apagada, dar a volta por cima. Passou a usar batom vermelho, blush, sombra azul e trocar seu manto bege sem graça por um na cor verde limão. Claro que isso gerou uma discussão com a dona da santa, essas que eram quase um monólogo. Ela grita, berra, fala tudo que é palavrão e religiosamente quebra pelo menos um copo. Joaquim engole tudo e como válvula de escape também tem seu ritual. Veste a camisa mais furada e surrada, mesmo com a gaveta cheia de novas ainda no plástico, põe por dentro da bermuda de algodão com o coz quase alcançando o peito, calça suas sadálias de tiras de couro, bota a carteira comprida e lotada de besteira em baixo do braço e diz baixinho: "Vou sair pra comprar lâmpada." Comprar lâmpada é sua terapia. O velho é um verdadeiro anarquista, tem seu próprio jeito para tudo. Uma vez me deu uma dica muito importante. Se estiver lanchando na casa de alguém, for tomar café e perceber que está sem a colherzinha para mexer o açucar, não cometa a gafe de dizer que está sem o talher, vai envergonhar o anfitrião. Há uma forma melhor para isso. Levante a xícara, faça movimentos circulares para chamar a atenção de todos na mesa e para não parecer estranho, faça a pergunta: "Vocês todos são irmãos?" Pronto, agora pode saborear seu café devidamente adoçado. O vô Quim, colecionava tranqueiras, chamava todos de meu chapa (se fosse mulher era minha chapa), fez todos os netos dormir cantando marchinhas de carnaval, inventava línguas, congelava banana e goiabada. Fez, quando estava por aqui, dias muito alegres. Saudades vô, alegre essa galera séria demais onde quer que esteja.

4 comentários:

  1. Hahahaha... muito bom, mas me deu uma saudade de cortar o peito.

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  2. Demais o texto, tá te saindo uma grande escritora. Mas um porém neste elogio: um personagem destes ajuda bastante. Parece um Casmurro saído de algum clássico da literatura. Parabéns pelo texto e pelo avô, rere.

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  3. OI GATINHA VOCÊ ME FEZ CHORAR .... É LINDO , OBRIGADO
    SEU PAI.

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  4. Puuuuuuuuuuuuuutz, me passou um filme agora. O escangalhado e o pomba no lugar de porr@ são clássicos. O aquário de bolas de gude ou a bandeja de moedas. O hábito de sempre comer antes de ir a uma festa, tantas histórias, a decoração de natal com lâmpadas grandes e etc. Dinda então, vc escreveu e vi ela aqui, falando tim tim por tim tim, materializada na minha frente. Saudades. Beijos.

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